Psicóloga Simone Villas Bôas Saraiva

psicóloga, gestalt-terapeuta

CRP 06/177991

O sono no bem-estar e na qualidade de vida

Sono

De todas as necessidades biológicas que temos, o sono é a que sempre deixamos em segundo plano, às vezes até terceiro. Vivemos em uma cultura que pouco valoriza o descanso, que vê no ato de dormir uma perda de tempo anunciada, um obstáculo a ser superado em nome de uma rotina idealizada, mais produtiva, eficiente e que garanta melhores posições no mercado de trabalho.

A apatia ao ato de dormir começa na infância: nos habituamos a horários sociais já definidos e pouco flexíveis. Acordamos cedo para ir à escola e temos todas as atividades do dia predefinidas. Aprendemos sobre estar em constante movimento, realizando o máximo de tarefas possíveis em 24 horas. Enquanto crescemos, os dias ficam cada vez mais cheios e as noites de sono menores. O sucesso pessoal passa a ser marcado pela capacidade de produção. Valoriza-se dormir pouco em prol de se trabalhar muito em uma constante abdicação invisível do próprio bem-estar.

No entanto, dormir bem é essencial não somente para se manter acordado no dia seguinte. É o momento que o cérebro utiliza para restaurar uma série de funções essenciais, assegurando a manutenção e o equilíbrio das atividades cerebrais. Ele é tão vital para a saúde quanto se alimentar e respirar. Sendo responsável por garantir o fortalecimento do sistema imunológico e a prevenção de doenças e infecções, além de garantir um bom funcionamento cardiovascular, melhorar a regulação dos níveis de glicose no sangue e reduzir as chances de se desenvolver câncer. Também é fundamental para a saúde psicológica, calibrando os circuitos emocionais, melhorando o desempenho da memória, aguçando a criatividade e potencializando o aprendizado. E se todas essas benfeitorias não te convenceram, o sono também é parte importante para o emagrecimento e manutenção do apetite, regulando os hormônios responsáveis pela saciedade. Ou seja: dormir previne doenças como Alzheimer, diabetes e depressão, assegura melhores capacidades cognitivas e te auxilia no processo de emagrecimento. Não é tempo perdido, é tempo aproveitado.

Dormir é essencial para a memorização, a criatividade e o aprendizado

Como será que a falta de sono afeta sua produtividade?

Se o sono traz tantos benefícios, por que damos tão pouca atenção a ele? Além de servir muito bem a lógica de produção incessante do capitalismo, dormir parece inútil frente às outras preocupações do dia a dia e este é o equívoco. Noites mal dormidas afetam drasticamente seu desempenho, prenunciando maior lentidão no trabalho, tomada de decisão mais lenta e baixa produtividade. Sem notar, ao renunciar a horas de sono, você junta os ingredientes para a receita perfeita de ineficiência e precisa trabalhar cada vez mais para a realização de todas as atividades, em um ciclo vicioso de acúmulo de tarefas e culpabilização. No longo prazo, esses efeitos impactam todas as esferas sociais, comprometendo sua saúde, equilíbrio psíquico e longevidade. Dormir não é luxo, é uma necessidade que se mantém forte na cadeia evolutiva de todos os animais. Seu organismo precisa do sono para restaurar funções importantes, processar memórias e gerenciar o espaço finito de armazenamento do cérebro. É na hora de dormir que seu corpo ajusta o bom funcionamento.

Dormir não é luxo

O organismo precisa do sono para restaurar funções importantes, processar memórias e gerenciar o espaço finito de armazenamento do cérebro. É na hora de dormir que seu corpo ajusta seu bom funcionamento.

O sono é tão importante que há pelo menos dois mecanismos diferentes trabalhando de formas separadas em seu cérebro para garantir o período regular de horas dormidas todas as noites. Um deles, atuando como um relógio interno, é chamado de ritmo circadiano e define o período de atividades do seu ciclo biológico, regulando o ritmo diário de funcionamento de todo o seu corpo, definindo até mesmo os pontos máximos e mínimos de disposição ao longo do dia. O ritmo é medido internamente de maneira quase precisa, utilizando fatores do ambiente como luz, temperatura, hábitos e interações sociais para se manter exato no período de 24 horas, garantindo que você sinta mais sono à noite e esteja mais disposto durante os períodos de sol. Cada pessoa possui um ciclo singular, embora ele se adeque às 24 horas, os pontos máximos e mínimos podem variar notavelmente, o que justifica porque alguns de nós têm disposição matutina e outros odeiam acordar cedo e preferem realizar atividades à tarde.

O outro mecanismo utilizado pelo cérebro para te indicar que é hora de dormir, é a chamada pressão do sono ou processo homeostático. Enquanto você lê este texto, uma substância química chamada adenosina está se acumulando em seu cérebro, gerando a pressão do sono. A concentração dela continuará aumentando a cada minuto que você permanecer acordado. Ao final do dia, quando a concentração de adenosina atingir seus picos máximos, você sentirá uma crescente vontade de dormir, impedindo-o de se manter acordado e garantindo o cumprimento das horas necessárias de sono. Esses dois mecanismos internos – o ciclo circadiano e o processo homeostático -, apesar de não trabalharem juntos, atuam em perfeito contraste. Quando o ciclo circadiano chega em seus pontos mais baixos de energia, a adenosina se encontra em seu momento máximo de pressão do sono e vice-versa. Garantindo uma fórmula infalível de disposição quando você está descansado e sono quando é preciso recarregar as energias.

Você pode querer resistir à pressão do sono e aos abismos de energia e poderá fazê-lo de um modo mundialmente conhecido e bem eficiente: a cafeína. Mais de 400 bilhões de xícaras de café são servidas diariamente ao redor do mundo, e este é o maior aliado na busca por soluções efetivas para se manter acordado. A cafeína atua bloqueando os receptores cerebrais da adenosina, inibindo que você sinta sono. Contudo, você pode alterá-lo, mas não pode evitá-lo. Depois que o efeito da cafeína é dissipado, seus níveis de energia despencam abruptamente e você é tomado por uma forte vontade de dormir e têm duas alternativas: ceder ao sono ou tomar mais café. Se optar pela segunda opção, você entra em uma constante de bloqueio do sono e começa a precisar de cada vez mais para se manter acordado. Como a cafeína possui uma meia vida – tempo médio presente no seu organismo – de cinco a sete horas, você toma café durante o dia para se manter acordado e sua qualidade de sono a noite é prejudicada por este estado. Depois de um tempo, você provavelmente estará viciado na substância e terá problemas para dormir. Além da cafeína, outros fatores podem ser definitivos para a privação do sono, como a massiva exposição a luzes elétricas e de LED. As luzes enganam nosso ciclo circadiano, confundindo o cérebro e atrasando a liberação da substância que nos faz adormecer.

Cafeína leva de cinco a sete horas para ser eliminada do organismo

E é justamente ao se deparar com problemas para dormir, que começamos a entender a importância do sono e os efeitos colaterais de sua privação. A insônia atinge mais de 73 milhões de brasileiros e é um problema silencioso, que vai afetando pouco a pouco todas as funções cognitivas e físicas e pode acarretar doenças crônicas. Em casos extremos, a falta de sono pode matar em meses. Milhares de remédios são prescritos todos os dias em consultórios por todo o mundo para resolver este problema e, apesar de parecerem ajudar na busca pelo sono, funcionam apenas como sedativos e não promovem um sono natural. O efeito colateral desse estado, são noites pouco produtivas para o cérebro, não atingindo os efeitos de restauração desejados e até mesmo a perda de conexões cerebrais importantes para o desempenho da memória. Mais do que voltar a dormir, o importante é buscar os motivos da falta de sono e tratá-los em sua causa raiz.

Os médicos recomendam que se durma cerca de 8 horas por dia e a média global é de 6,8 horas diárias. Estamos dormindo menos a cada ano, sem dar a devida importância para essa necessidade fisiológica que é base de todo o bom funcionamento do nosso organismo. Fazer as pazes com o seu sono e entender seu ciclo biológico singular, é um dos melhores presentes que você pode dar a si mesmo e uma escolha política em prol da sua saúde e bem estar.

Em uma sociedade hiperconectada e apressada, que prega trabalhar enquanto os outros dormem, é hora de reivindicarmos nosso direito a noites bem dormidas. Ao fazê-lo, damos ao cérebro a chance de restaurar e energizar nossa mente e corpo, para dias seguintes mais despertos e produtivos, impregnados com a mais profunda plenitude de ser.

Referências
BARRAS, Colin. O mistério do sono em humanos e animais que a ciência não consegue resolver. BBC, 2016. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/revista/vertearth/2016/04/160427vertsonorazao_fd
FERNANDES, Regina Maria França. O sono normal. Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP, 2006. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/download/372/373
LUNA, Renata. Café: vantagens de incluí-lo na alimentação. Disponível em:
https://espacolunar.home.blog/2020/01/13/cafe-vantagens-de-inclui-lo-na-alimentacao/
VARELLA, Drauzio. Cafeína e sono, 2020. Disponível em:
https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/artigos/cafeina-e-sono-artigo/
VARELLA, Mariana. Insônia atinge 73 milhões de brasileiros. Disponível em:
https://drauziovarella.uol.com.br/neurologia/insonia-atinge-73-milhoes-de-brasileiros/
WALKER, Matthew. Por que nós dormimos. A nova ciência do sono e do sonho. Editora Intrínseca, 2018.



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Simone Villas Bôas Saraiva

Simone Villas Bôas Saraiva

CRP 06/177991
Psicóloga clínica, gestalt-terapeuta, especialista em gênero e sexualidade. Psicoterapeuta com experiência clínica com demandas de estresse, ansiedade e depressão.


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