O segredo é um dos temas mais frequentemente trazidos aos consultórios. Segredos organizam relações, nem sempre de modo consciente. Tornam-se visíveis justamente pela ausência de algo. Os modos como um campo relacional sustenta vínculos, alianças e rupturas são revelados.
Segredo como fenômeno da relação
Na Gestalt-terapia, toda relação acontece na fronteira de contato. Nesse sentido, o segredo é um modo particular de operar essa fronteira. Delineia aquilo que permanece retido, não compartilhado ou velado como função organizadora da experiência. Guardar um segredo é escolher, consciente ou não, uma figura emergente de um fundo que é relevante para determinado contato.

Isso não significa segredos devam ser reduzidos a algo “a ser eliminado” no processo terapêutico. Ao contrário: pode ser compreendido como gesto de autopreservação, proteção de integridade, cuidado consigo ou com o outro. Trata-se de reconhecê-lo como fenômeno a ser observado e não julgado.
Segredo como fenômeno do sistema
Nenhum segredo existe isoladamente. Sempre produz efeitos no sistema, pois toda comunicação tem um aspecto próprio daquela relação. O que não é dito expressa tanto quanto o que não é. Então, podemos definir que a ausência é a mensagem. Orienta comportamentos, estabelece alianças implícitas, reorganiza papéis e redesenha fronteiras do grupo. O segredo introduz uma perturbação por ser algo que circula subterraneamente, estruturando o campo relacional. E o sistema se reorganiza para mantê-lo, contê-lo ou, às vezes, denunciá-lo.
Uma ética das relações
O segredo costuma emergir como questão ética. Não deve ser feita uma distinção moral e sim uma verificação do que ocorre. O que produzo quando mantenho um segredo? O que produzo ao revelá-lo? O que se torna possível ou não possível?
Quero crer que uma ética nas relações surge a partir de acordos explícitos, não herdados sem questionamento das normas. Este fenômeno precisa ser compreendido a partir da situação descrita pela pessoa consulente. Por isso, estimulo a descrição fenomenológica do contexto no qual emerge.
Em muitos casos, este é um recurso de sobrevivência física e emocional. Uma pessoa trans pode e deve escolher a melhor oportunidade para conversar sobre sua identidade de gênero, por exemplo. Possíveis vulnerabilidades precisas ser acolhidas pela pessoa terapeuta. Desse modo, o trabalho terapêutico não é extirpar o segredo, mas verificar o que ele organiza.
No entanto, há aqueles que funcionam como dispositivo de poder. Em casos assim, pergunto quem se beneficia da manutenção deles e quem se sacrifica por ele. A omissão de informações pode produzir sofrimento crônico, isolamento ou apagamento identitário.
Conclusão
É importante ressaltar que segredos devem ser vistos como um fenômeno relacional. É desnecessário e mesmo inadequado fazer julgamentos morais no setting terapêutico. Eles podem ter as mais diversas funções: proteger, reorganizar, oprimir, dar espaço para crescer. Somente promovendo um espaço seguro podemos compreender sua função e contribuir para o processo terapêutico.


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