O sono é uma das necessidades biológicas que pouco valorizada atualmente. Vivemos em uma cultura de produtividade que não valoriza o descanso e vê o dormir como perda de tempo. Consideramos o sono um obstáculo a ser superado em nome de uma rotina idealizada.
A apatia ao ato de dormir começa na infância: somos habituados a horários sociais pré-definidos e inflexíveis. Acordamos cedo para ir à escola, para praticar algum esporte, para cumprir os horários dos pais. Aprendemos sobre estar em constante movimento, realizando o máximo de tarefas em 24 horas. Enquanto crescemos, os dias ficam cada vez mais cheios e as noites de sono menores. O sucesso pessoal parece ser marcado pela capacidade de produção. Valoriza-se dormir pouco em prol de se produzir muito em uma constante abdicação inconsciente do bem-estar.
No entanto, dormir bem é essencial não somente para se manter acordado no dia seguinte. É o momento que o corpo utiliza para restaurar funções essenciais. É durante o sono que é realizada a “manutenção cerebral”. Assim, o sono é tão vital para a saúde quanto se alimentar e respirar.
- Dormir bem garante o fortalecimento do sistema imunológico e a prevenção de doenças e infecções.
- Assegura um bom funcionamento cardiovascular.
- Melhora a regulação dos níveis de glicose no sangue.
- Reduz as chances de se desenvolver câncer.
- É fundamental para a saúde emocional.
- Melhora o desempenho da memória.
- Aumenta a criatividade.
- Potencializa o aprendizado.
- É parte importante para o emagrecimento, ajudando na manutenção do apetiteao regular os hormônios responsáveis pela saciedade.
- É fator de prevenção em doenças como Alzheimer, diabetes e depressão.
Dormir não é tempo perdido, é tempo aproveitado.
Sono é essencial para a memorização, a criatividade e o aprendizado

Se o sono traz tantos benefícios, por que damos tão pouca atenção a ele?
Além de servir muito bem a lógica de produção incessante do capitalismo, dormir parece inútil. Isso ocorre frente às outras preocupações do dia a dia. Isso é um equívoco! Noites mal dormidas afetam drasticamente o desempenho, prenunciando maior lentidão no trabalho, tomada de decisão mais lenta e baixa produtividade.
Sem perceber, renunciamos a horas de sono. Essa é a receita perfeita de ineficiência. E ineficiência leva a mais horas de trabalho para realizar todas as atividades necessárias e desejadas. Isso resulta em um ciclo vicioso de acúmulo de tarefas e culpabilização, estresse e ansiedade.
No longo prazo, esses efeitos impactam todas as esferas sociais, comprometendo sua saúde, equilíbrio psíquico e longevidade. Dormir não é luxo, é uma necessidade que se mantém forte na cadeia evolutiva de todos os animais. Seu organismo precisa do sono para restaurar funções importantes, processar memórias e gerenciar o espaço finito de armazenamento do cérebro. É na hora de dormir que seu corpo ajusta o bom funcionamento.
Como o sono funciona?

O organismo precisa do sono para restaurar funções importantes, processar memórias e gerenciar o espaço finito de armazenamento do cérebro. É na hora de dormir que seu corpo ajusta seu bom funcionamento.
O sono é tão importante que há pelo menos dois mecanismos diferentes no cérebro. Eles trabalham de formas separadas para garantir o período regular de horas dormidas todas as noites.
Ritmo circadiano
Um deles é atuando como um relógio interno. Esse mecanismo é chamado de ritmo circadiano. Ele define o período de atividades do seu ciclo biológico. O ritmo regula o funcionamento diário de todo o seu corpo. Ele define até mesmo os pontos máximos e mínimos de disposição ao longo do dia. O ritmo é medido internamente de maneira quase precisa. Ele utiliza fatores do ambiente como luz, temperatura, hábitos e interações sociais.
Esses fatores ajudam o ritmo a se manter exato no período de 24 horas. Isso garante que você sinta mais sono à noite. Assim, você estará mais disposto durante os períodos de sol. Cada pessoa possui um ciclo singular. Embora ele se adeque às 24 horas, os pontos máximos e mínimos podem variar notavelmente. Isso justifica por que alguns de nós têm disposição matutina. Outros odeiam acordar cedo e preferem realizar atividades à tarde.
Pressão do sono
O cérebro utiliza outro mecanismo para te indicar que é hora de dormir. É a chamada pressão do sono ou processo homeostático. Enquanto você lê este texto, uma substância química chamada adenosina está se acumulando em seu cérebro. Isso gera a pressão do sono. A concentração dela continuará aumentando a cada minuto que você permanecer acordado. Ao final do dia, quando a concentração de adenosina atingir seus picos máximos, você sentirá uma crescente vontade de dormir. Isso impedirá você de se manter acordado. Assim, garantirá o cumprimento das horas necessárias de sono.
Esses dois mecanismos internos, o ciclo circadiano e o processo homeostático, não trabalham juntos. Contudo, eles atuam em perfeito contraste. Quando o ciclo circadiano atinge seus pontos mais baixos de energia, a adenosina atinge o seu máximo. Isso cria um momento máximo de pressão do sono. O contrário também acontece. Garantindo uma fórmula infalível de disposição quando você está descansado e sono quando é preciso recarregar as energias.
Aceita um cafezinho?

Você pode querer resistir à pressão do sono e aos abismos de energia. Há um modo mundialmente conhecido e eficiente para isso: a cafeína. Mais de 400 bilhões de xícaras de café são servidas diariamente ao redor do mundo. Isso faz do café o maior aliado na busca por soluções efetivas para se manter acordado.
A cafeína atua bloqueando os receptores cerebrais da adenosina, inibindo que você sinta sono. Contudo, você pode alterá-lo, mas não pode evitá-lo. Depois que o efeito da cafeína é dissipado, seus níveis de energia despencam abruptamente. Você é tomado por uma forte vontade de dormir. Existem duas alternativas: ceder ao sono ou tomar mais café. Se optar pela segunda opção, você entrará em uma constante de bloqueio do sono. Consequentemente, começará a precisar de cada vez mais café para se manter acordado.
Como a cafeína tem uma meia vida de cinco a sete horas, essa substância permanece no organismo por esse tempo. Você toma café durante o dia para se manter acordado. Mas a sua qualidade de sono à noite é prejudicada por este estado. Depois de um tempo, você provavelmente estará viciado na substância e terá problemas para dormir. Ou, pelo contrário, se tornará insensível aos efeitos dela.
Cafeína leva de cinco a sete horas para ser eliminada do organismo
Além da cafeína, outros fatores também podem causar privação do sono. A massiva exposição a luzes elétricas e de LED é uma dessas causas. As luzes enganam nosso ciclo circadiano, confundindo o cérebro e atrasando a liberação da substância que nos faz adormecer.
Outro fator a ser considerado é a poluição sonora. Entendemos que ambientes livres de barulhos é um privilégio, mas vale conferir. Há algo que possa ser feito para diminuir ruídos durante as horas de sono?
Dormir bem não é luxo

E é justamente quando começamos a ter problemas para dormir que entendemos a importância do sono. Também percebemos os efeitos colaterais de sua privação.
A insônia atinge mais de 73 milhões de brasileiros. É um problema silencioso. Vai afetando pouco a pouco todas as funções cognitivas e físicas. Isso pode acarretar doenças crônicas. Em casos extremos, a falta de sono pode matar em meses.
Milhares de remédios são prescritos todos os dias em consultórios por todo o mundo para resolver este problema. Apesar de parecerem ajudar na busca pelo sono, eles funcionam apenas como sedativos. Esses remédios não promovem um sono natural. O efeito colateral desse estado são noites pouco produtivas para o cérebro. Não se atingem os efeitos de restauração desejados. Também pode haver perda de conexões cerebrais importantes para o desempenho da memória. Mais do que voltar a dormir, é importante entender os motivos da falta de sono. Devemos tratá-los em sua causa raiz.
Recomendações
Os médicos recomendam que se durma cerca de 8 horas por dia. No entanto, a média global é de 6,8 horas diárias. Estamos dormindo menos a cada ano.
- Busque horários regulares de sono. Dormir pouco durante a semana para acordar sem despertador no domingo não compensa nada para o organismo.
- Não consuma alimentos de difícil digestão no jantar.
- Não consuma café, chá com cafeína ou energéticos horas antes de dormir.
- Desligue celular pelo menos uma hora antes de decidir ir para cama.
- Boletos não serão pagos enquanto você pensa neles olhando para o teto. Reserve outro horário durante o dia para se preocupar.
- Cama é para dormir e… outras atividades afetivas. Não leve a televisão para este espaço.
Fazer as pazes com o seu sono é um dos melhores presentes que você pode dar a si mesmo. Entender seu ciclo biológico singular é uma escolha política em prol da sua saúde e bem-estar.
Vivemos em uma sociedade hiperconectada e apressada que prega trabalhar enquanto outros dormem. É hora de reivindicarmos nosso direito a noites bem dormidas. Ao fazê-lo, damos ao cérebro a chance de restaurar e energizar nossa mente e corpo. Isso nos prepara para dias seguintes mais despertos e produtivos.
Referências
BARRAS, Colin. O mistério do sono em humanos e animais que a ciência não consegue resolver. BBC, 2016. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/revista/vertearth/2016/04/160427vertsonorazao_fd
FERNANDES, Regina Maria França. O sono normal. Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP, 2006. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/download/372/373
LUNA, Renata. Café: vantagens de incluí-lo na alimentação. Disponível em:
https://espacolunar.home.blog/2020/01/13/cafe-vantagens-de-inclui-lo-na-alimentacao/
VARELLA, Drauzio. Cafeína e sono, 2020. Disponível em:
https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/artigos/cafeina-e-sono-artigo/
VARELLA, Mariana. Insônia atinge 73 milhões de brasileiros. Disponível em:
https://drauziovarella.uol.com.br/neurologia/insonia-atinge-73-milhoes-de-brasileiros/
WALKER, Matthew. Por que nós dormimos. A nova ciência do sono e do sonho. Editora Intrínseca, 2018.
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