Quando falamos de violência, o que vem à mente são exemplos marcados de abuso e uso de força contra algo ou alguém, em demonstrações veladas de poder. No entanto, pensar sob esses parâmetros restringe o conceito de violência apenas à dimensão física e nos impede de compreender como ela é construída no espaço social de diferentes maneiras, a partir de critérios e padrões advindos de um discurso dominante. Bourdieu definiu como violência simbólica essas formas de violências exercidas sem coação física, cunhadas nas imposições sociais determinadas e que podem trazer danos morais e psicológicos. Hoje, quero falar desses tipos de violência, principalmente o que vejo continuamente no meu campo de trabalho, a área da saúde.

Ao estar em contato com outras pessoas, é possível construir diferentes tipos de relações. Podemos reconhecer o outro como um semelhante, como alguém que também está em construção e tem seus próprios contextos e histórias, ou encará-lo apenas como o outro, algo destituído de vivência, sem se importar verdadeiramente com as possibilidades dessa pessoa, em um processo de desumanização.

Apesar de parecer óbvio que tipo de relação escolher, ao trabalhar diretamente com pessoas, é preciso estar em contínuo treinamento do olhar, estando atento para não entrar em um modo automático, que define o outro a partir das próprias convicções. Ao desumanizar alguém, é mais fácil ceder aos preconceitos e estereótipos e subjugar, reproduzindo violências ao desconsiderar vivências diferentes das suas.

Cada pessoa que adentra um consultório clínico é única e deve ser tratada dessa forma. É preciso estar ciente que podemos cometer atos de violência a partir de definições sociais e supostamente científicas. A percepção sobre o corpo do outro não dá permissão para reproduzir violências.